sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Estado e sociedade lutam contra o preconceito e a intolerância religiosa

Por Arivaldo Silva*

Foto: Mila Cordeiro / Ag. A TARDE

No imaginário coletivo, a Bahia é conhecida internacionalmente como um dos poucos locais no mundo onde diferentes matrizes religiosas e étnicas convivem em harmonia. No entanto, a violência – aliada à intolerância religiosa – registrada em diversos episódios contradiz esse mito.

As comunidades que professam religiões de matriz africana são as que mais sofrem com as invasões, depredação e expulsão das pessoas dos espaços sagrados. Desde agosto do ano passado, quando integrantes do lê Axé Ojunilê Xapanã, na Capelinha de São Caetano, foram expulsos do local a tiros por criminosos, pelo menos outras cinco graves ocorrências foram registradas em Salvador e no sul do Estado.

Em dezembro de 2009, o babalorixá José Bispo, o Pai Santinho, do Ilê Axé Filibomin (Tancredo Neves), foi morto, o templo, destruído, e as pessoas, expulsas. No Ilê Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo, traficantes invadiram o local e levaram objetos sagrados em janeiro deste ano. Em abril,após o assassinato do ogan Claudionor Cruz, 15 famílias do Ilê Axé Jilewá, em Fazenda Coutos,foram expulsas por traficantes. As famílias ainda não retornaram. Em Portão (Grande Salvador), em julho, o Ilê Omorodé Axé Orixanlá foi invadido, um tiro deflagrado e um celular furtado.

No último dia 23, a ialorixá Bernadete Souza Ferreira dos Santos foi agredida por policiais militares, no assentamento Dom Hélder Câmara, em Ilhéus (a 467 km de Salvador). Os PMs estão afastados das atividades nas ruas. O governador Jaques Wagner esteve reunido com Bernadete, no último dia 10, para discutir a denúncia. Wagner disse ao A TARDE que, no segundo mandato, o combate a esses crimes será efetivo: “Não haverá tolerância com a intolerância”. Para ele, o corregedor adjunto da PM, tenente coronel Manoel Souza, que descartou intolerância religiosa, foi “precipitado”.

Comissão - Neste contexto, foi criada, em maio, uma comissão com representantes de terreiros e da Secretaria da Segurança Pública (SSP). De acordo com o titular da SSP, César Nunes, o trabalho da comissão é um elo entre a comunidade e o governo. “Fizemos várias ações baseadas nas investigações, coibindo a violência”, disse Nunes. Para ele, “todas as hipóteses estão sendo investigadas no caso de Ilhéus”.

A comissão criada pela Secretaria da Segurança Pública baiana (SSP-BA) para coibir crimes de intolerância está em fase de organização interna para atuar no enfrentamento aos crimes. Ela é formada pela delegada Isabel Alice Pinho, o major da Polícia Militar Paulo Sérgio Peixoto, o presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia, ogan do Ilê Axé Oxumarê, Leonel Monteiro, o coordenador do Núcleo das Religiões de Matriz Africana da PM, Raimundo de Souza, e a representante da sociedade civil (movimento negro) do terreiro Ilé Axé Nzambi Funam, Rebeca Tárique.

Preconceito - Segundo Leonel Monteiro, é preciso combater o preconceito, que gera a intolerância. “O ódio religioso tem várias facetas.É preciso que os agentes públicos em todos os níveis tenham a orientação de respeitar a diversidade de crenças que existem na Bahia”, ele acredita. De acordo com o major, a comissão tem caráter articulador: “O objetivo é empreender ações no campo social e da segurança, buscando o amparo para as comunidades que ficaram desprotegidas”, informa Peixoto.

Justiça tem 65 processos por preconceito de raça ou de cor

Dados do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) dão conta de quetramitam65processosde crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor nas 17 varas crimes de Salvador e 39 em comarcas do interior do Estado. Para o professor Ordep Serra, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), está havendo uma “demonização” do povo-de-santo na Bahia. “Quando policiais entram em um terreiro e tentam fazer um exorcismo, ficamos reféns de um ato pseudorreligioso. É necessária a reeducação da sociedade”, opina o professor e pesquisador.

A secretária estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Luiza Bairros, afirma que o maior esforço deve ser para colocar a população das comunidades de terreiro como atores políticos. “A Sepromi contribui neste contexto, viabilizando abrigo e alimentação às pessoas em risco”, explica a secretária.

Discriminação oficial foi extinta no ano de 1891

O Estado laico se consolidou no Brasil na primeira Constituição Republicana do País, promulgada no ano de 1891. Só a partir dali, a nação adotou uma postura oficialmente neutra em relação às questões religiosas. Antes disso, o preconceito era oficial.

O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Bahia (OAB-BA), Antônio Menezes, lembra que, quando a religião oficial do País era a católica, os praticantes do candomblé e os protestantes (como eram chamados os evangélicos) eram perseguidos com o aval do próprio estado. “As pessoas só podiam professar outras religiões no País se fosse no âmbito particular. Hoje, sob certos aspectos, vemos uma situação parecida. Os ofendidos podem procurar a comissão de direitos humanos da OAB para denunciar”, esclarece Menezes.

Discriminação - O Grupo de Atuação Especial de Combate à Discriminação do Ministério Público baiano (Gedis/MP-BA) acompanha o caso de tortura e discriminação sofridas pela ialorixá Bernadete, em Ilhéus. Segundo o promotor Cícero Ornellas, as denúncias recebidas pelo MP são apuradas e repassadas à Secretária da Segurança, para que tome as medidas cabíveis.

POLÊMICA AGRESSÃO A SANTO NEGRO - Há três anos, um fiel de uma religião evangélica quebrou em 27 pedaços uma imagem secular de São Benedito, na Igreja de Sant’Ana (Nazaré). A imagem já foi restaurada.

ONDE DENUNCIAR O PRECONCEITO

INSTITUTO PEDRA DE RAIO

Oferece atendimento jurídico em questões raciais. Telefone: (71) 3241-3851

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRESERVAÇÃO DA CULTURA AFRO-AMERÍNDIA (AFA)

Atua no enfrentamento à intolerância religiosa. Telefone: (71) 3495-5967

GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO BAIANO

Apura denúncias de agressões relacionadas ao racismo. Telefone: (71) 3103-6409

COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB-BA

Apura violações de direitos: (71) 3321-2777

*Matéria de capa do jornal A Tarde de 17/11/2010, publicada na página A4.

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